quinta-feira, 5 de agosto de 2010

República viva

Crónica de Nuno Pacheco no Público, 2 de Agosto 2010: "Agosto é mais propício às praias, já se sabe, mas por algumas horas pode ser saudável subtrair o corpo aos raios solares e levá-lo até outras aventuras. Uma, inesquecível, corre o risco de ser desmesurada para a (escassa?) procura, mas é imperdoável perdê-la. Trata-se da exposição Viva a República! (1910-2010), acto maior do centenário e que ocupa na íntegra as instalações da Cordoaria Nacional, em Lisboa. Quem pensa tratar-se de um desfile fastidioso de bigodes, cartolas e chapéus de coco desengane-se.

A forma como foi concebida, se por um lado revela uma paixão indisfarçável pela revolução da "ideia", mostra ali também tudo o que contribuiu para acelerar o seu fim. Como uma sucessão de quadros num teatro, as várias alas da exposição fazem "desfilar" perante o visitante, dando a sensação de que elas próprias se movem e não apenas quem as vê e visita, uma República viva, repleta de pequenas histórias, nomes, lugares, cartazes, sons, filmes, declarações inflamadas e gritos de revolta, peças de oratória e manifestos eloquentes, caricaturas virulentas e sátiras mordazes a tudo e todos. Que num jornal como O Zé retratavam, com um desenho a condizer, a sessão parlamentar de uma certa quarta-feira de 1912 do seguinte modo: "Sôccos, bofetadas, pontapés, murros, cachações, caldos, galhetas, solhas, cervejas, estalos e um monoculo pelo ar! Ena rapazes! D'esta vêz é que foi trabalhar!"

E, claro, com caricatura ou sem ela, também as coisas da vida de todos os dias: em casa, nas escolas, nos espectáculos, nas ruas. Lá estão os cartazes das modas e os que vendiam cognac, os das touradas e os do boxe (com Max Fredo, o "rei do K.O." e o célebre e popular Santa Camarão), os dos teatros e das sessões de cinema no Chiado Terrasse. E a Orpheu, claro, Almada e Pessoa e os gritos das artes contra a já exposta falência dos políticos. E, a par das novas liberdades sociais e políticas, a humilhação dos padres e a expulsão dos jesuítas, o que levou a comparar Afonso Costa ao Marquês de Pombal (que, nem de propósito, viria a ganhar por via republicana uma estátua em pleno centro da Rotunda que, de lugar histórico do republicanismo se tornou depois, assim se mantendo hoje, Praça Marquês de Pombal).

E ainda os terrores da guerra, com os seus milhares de mortos e mutilados, as trincheiras da pesada derrota de La Lys e os minutos de silêncio pedidos a "homens de todas as crenças" para "glorificar" os que deram o seu sangue pela grandeza de Portugal". E, numa repetição fatal, os tumultos e revoltas, as trocas imparáveis de ministros e as greves, o descontentamento popular e a degradação progressiva do poder e do Estado.

São precisas várias horas, até porque é impossível desviar o olhar de muitos dos textos, escritos de forma clara e atractiva e expostos com mestria gráfica, mas vale a pena. Mais do que uma exposição, Viva a República! é uma sucessão de quadros vivos, impressivos, que aproxima a história do comum dos mortais. Quem a visitar, voltará outra vez. Só é pena que tal trabalho se perca e não fique, como merecia, para museu."

Nota: as lojas A Vida Republicana da Cordoaria e do Terreiro do Paço estão abertas até às 24h00, hoje e dia 12 de Agosto, fazendo companhia às exposições que complementam: "Viva a República!" e "Viajar - Viajantes e Turistas à Descoberta de Portugal no Tempo da Primeira República" respectivamente. Isto porque o Festival dos Oceanos veio animar a cidade e associa-se às comemorações do Centenário da República Portuguesa.

Sem comentários: