sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

"Vim ver (o Intendente) e fiquei com o coração aos saltos"

Foi jornalista até ao dia em que se assumiu como a embaixadora das marcas portuguesas. Hoje, Catarina Portas é a empresária que reúne no mesmo espaço os produtos de antigamente que contam a História do país. No final de Novembro, inaugurou a terceira loja de A Vida Portuguesa, no Largo do Intendente. Ao SOL, admite que já alertou Paulo Portas para a urgência de baixar o IVA na restauração, sector onde também tem negócios.
Entrevista de Ricardo Rego. Fotografias de Miguel Silva.
Jornal SOL, 13 de Dezembro 2013.  

Já vai na terceira loja de A Vida Portuguesa. O jornalismo está arrumado de vez?
Felizmente trabalho é coisa que nunca me falta. Agora ando muito ocupada com esta loja. É muito grande e dá muito trabalho. Estamos todos a dar o litro para fazer um bom Natal. Depois logo se vê.
Muitos jornalistas e cronistas da sua época “desapareceram”. Não acaba por ser uma demissão do papel que tinham?
Não acho. Se estamos a falar de uma certa geração jornalístia, a verdade é que os jornais têm tido alguns problemas, o que os obrigou a despedir muita gente, por um lado, e por outro deixaram de ter dinheiro para pagar aos cronistas.
Miguel Esteves Cardoso dizia há tempos que o Público era dos poucos que pagavam.
Pois. Já me propuseram escrever crónicas de borla. E eu não posso aceitar uma coisa dessas. Recuso trabalhar de borla. Fui jornalista durante quase 20 anos, quase sempre freelancer. Hoje já não sou e não posso fazer isso aos meus colegas. Seria tirar-lhes trabalho.
Tem saudades do Independente?
Não trabalhei muito tempo lá. Digamos que fui mais amiga do jornal do que jornalista. Era um jornal que tinha o seu quê de adolescente, com tudo o que isso implica.
Aceitaria regressar ao jornalismo com um projecto novo?
Hoje em dia? Dificilmente. Estou aqui muito entretida e muito divertida, sendo certo que às vezes sinto falta de projectos absolutamente inovadores e inspiradores. Acho sobretudo que a internet tem possibilidades que não foram exploradas.
O que a levou a avançar para esta nova loja do Intendente, em tempo de crise?
Este largo estava sequestrado pela prostituição e pelas drogas. Tinha uma fauna particular e era difícil para os lisboetas passarem por aqui. O presidente da Câmara decidiu mudar essa situação e acho que é um desafio interessante.
O que tem esta loja de diferente para oferecer?
A Vida Portuguesa está a fazer um percurso que acaba por ser natural: começámos por vender produtos pequenos e agora, neste novo espaço, alargámos a nossa oferta, em termos de produtos, de marcas e de fabricantes portugueses. Tentámos alargar a loja do Chiado mas as rendas naquela zona da cidade só estão acessíveis a multinacionais.
Já conhecia este espaço?
Sim, porque entretanto já tínhamos a Viúva Lamego como fornecedores. Mas depois das obras, e já sabendo que estava para alugar, vim cá ver e fiquei com o coração aos saltos. Porque é um espaço lindo. Mas tive muito medo. Demorei alguns meses a decidir...
Quais eram os seus medos?
O pais está em crise e as pessoas não compram sem pensar. Estão muito mais contidas nos seus gastos.
Conseguiu manter a estrutura original?
Só retirámos os acrescentos. De resto, manteve-se tudo. A Viúva Lamego teve aqui o seu armazém durante quase 100 anos. Pode-se quase seguir a história da Viúva Lamego através dos azulejos nestas paredes.
Os móveis da loja vêm de todo o pais. Como conseguiu chegar até eles?
Esta foi a parte mais divertida da aventura. Partilhámos no Facebook que queríamos comprar móveis de lojas e fábricas antigas. Não pararam de chegar respostas de todo o pais. Comprámos uma mercearia de Braga com quase 100 anos que estava a fechar, comprámos parte da mobília de uma loja de apetrechos para barcos em Setúbal e há ainda uns móveis que pertenciam ao arquivo de uma fábrica de papel, nos arredores de Tomar. Era uma fábrica que fazia o papel Cavalinho.
Quem é que compra produtos na A Vida Portuguesa?
Quase metade da nossa clientela é estrangeira. Isso só acontecia no mês de Agosto e esta tendência tem vindo a acentuar-se ao longo de todo o ano. Os portugueses estão a comprar menos. Lisboa está de facto na moda, e ainda bem. Temos muito a agradecer aos turistas que nos visitam, que são quem está a injectar dinheiro nas economias urbanas de Lisboa e do Porto.
O que lhe parece a aposta de Woody Allen para promover a cidade de Lisboa?
Esta ideia poderia fazer sentido se o cinema português estivesse de boa saúde, o que não é o caso. Está num momento de asfixia total e as televisões, de uma forma inacreditável e ilegal, não pagam as taxas que são devidas aos produtores.
Os seus colaboradores são bem remunerados?
Penso que são remunerados até um bocadinho acima do que é habitual no comercio. E nos anos em que é possível fazemos uma distribuição dos lucros pelas pessoas que trabalham n’ A Vida Portuguesa. No mês passado paguei 26 salários n’ A Vida Portuguesa e 28 nos quiosques. Já é muito salário para pagar todos os meses (risos).
Como consegue manter quatro quiosques com o IVA a 23%?
O negocio dos quiosques não é um negocio extraordinário, ao contrario do que muita gente pensa. Para termos quatro quiosques abertos temos 28 pessoas a trabalhar, por turnos, na cozinha ou a dar assistência, porque são espaços pequenos e a sua capacidade de armazenamento é limitada. Depois, todos os colaboradores têm contrato, porque nas minhas empresas não há ninguém a recibos verdes, excepto quando se trata de verdadeiros recibos verdes. Com o aumento do IVA, fizemos alguns ajustes mas tentámos não aumentar muito os preços, porque os quiosques estão no meio da rua e são para toda a gente, não são elitistas.
O seu irmão Paulo Portas já esteve em algum dos seus quiosques? Já, claro.
E pagou com o IVA a 23%?
Não terá pago porque certamente fui eu que ofereci (risos).
Têm falado sobre esta questão?
Sim. O Paulo tem-se batido, aliás, para que o IVA na restauração desça. Mas ele não decide sozinho e o ministro da Economia já veio dizer que esta deve ser uma das primeiras medidas de desagravamento fiscal.
Percebeu a demissão “irrevogável” do seu irmão em Julho deste ano?
Se eu percebi? Claro que percebi.
Foi um irrevogável para soar a quê?
(pausa) Eu venho de uma família onde somos todos diferentes mas os objectivos não são assim tão distintos. Compreendo perfeitamente a posição do Paulo e acho que ele teve razões para fazer o que fez. Acho que nem sempre estas razões se podem tornar públicas. Nem sempre se podem divulgar.
O que deixou de fazer por causa da crise?
Sempre tive cuidado com o dinheiro que gasto. Exactamente porque fui freelancer. Portanto, habituei-me a ter às vezes bastante dinheiro e a de vez em quando ter pouco dinheiro. Digamos que sempre fui muito higiénica com os meus gastos. Sei viver com pouco.
Li que tem um projecto de um livro para escrever sobre 20 marcas e fábricas portuguesas. Em que fase está?
Estou para fazer este livro desde o início do projecto de A Vida Portuguesa. Ele já esteve para avançar várias vezes mas como estamos sempre metidos em mais um projecto não tem sido fácil fazer um intervalo para o escrever.
E o livro sobre a história do Frágil?
Pois, ainda tenho este, que vai avançar proximamente mas de uma forma um bocadinho diferente.
Diferente como?
Não estou autorizada pelo Manuel Reis para dizer como vai ser (risos).
 
 

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