terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

O museu do quotidiano português


É ao lado da Viúva Lamego que se situa a mais recente loja A Vida Portuguesa. O novo espaço encontra-se perfeitamente enquadrado pelo gabinete do presidente da Câmara Municipal, Casa Independente e em frente à escultura pública "Kit Garden" de Joana Vasconcelos. Para além dos icónicos azulejos embutidos, a nova loja tem uma série de surpresas. Estão a vender roupa pela primeira vez através da marca La Paz, sapatos, fogões a lenha, bancos de jardim e ainda têm uma zona de horto com plantas aromáticas. Catarina Portas é a alma deste projecto que já esteve representado na Maison et Objet e que no ano passado fez parte da feira de Natal da Monocle. A revista também a considerou uma das 25 personalidades que "merecem um palco maior". Catarina falou-nos do seu percurso e da paixão que sente pelo made in Portugal.

A Vida Portuguesa está relacionada com as tuas memórias de infância às quais quiseste dar vida? 
Muito secundariamente, mas o mote não foi de todo esse. Sempre achei graça a este tipo de produtos, tanto em Portugal como no resto do mundo. Sempre que viajo volto para casa com diversos pacotinhos, chaleiras, cartas árabes de jogar, entre outros objectos. Gosto imenso destes productos de consumo do quotidiano e, de repente, apercebi-me que as coisas estavam a desaparecer muito rapidamente. Achei que era uma pena e pensei na forma como se poderia apresentar estes produtos a um novo público.

Hoje em dia está na moda gostar dos produtos portugueses. A que achas que se deve esta mudança?
Sim, e é algo que tinha que acontecer inevitavelmente. Os anos 80 e 90 foram anos d imenso deslumbre com as marcas estrangeiras. De repente tivemos acesso a muito mais marcas e mais dinheiro, real ou a crédito, logo houve um aumento das hipóteses de consumo. A organização comercial alterou-se e como consequência o retalho perdeu muita força. A grande distribuição surgiu e muitas destas marcas portuguesas não entraram no circuito. As pessoas deixaram de encontrar muitas destas marcas nas suas compras de quotidiano. Por outro lado todos estes produtos estavam associados ao nosso passado de pobreza. Os portugueses têm uma relação muito difícil com o seu passado recente. Existiam muito poucos livros sobre os anos do salazarismo, era quase uma espécie de tabu. De repente houve uma gaveta que se abriu. A mim parece-me que havia um campo para explorar, mesmo enquanto jornalista, profissão que mantive ao longo de 20 anos. A minha ideia inicial era fazer um livro, mas como não tinha dinheiro para tal comecei a elaborar umas caixas com os produtos antigos para com este negócio poder pagar o livro. Acontece que o negócio resultou tão bem que nunca mais tive tempo para fazer o livro.

Como fizeste com essa parte da pesquisa? Foste visitar fábricas antigas?
Nessa altura eu era freelancer, estava a preparar livros e filmes. Sempre que avistava uma mercearia, drogaria, farmácia ou engraxadaria, entrava, ia investigar as prateleiras e comecei a identificar os produtos. Cheguei a comprar recheios. A partir daí comecei a investigar quem é que os produzia e fiz um primeiro tour pelas fábricas antes de começar a fazer as caixas.

E como foi a receptividade?
Foi muito boa, houve até uma reunião muito importante com o representante da Ach Brito, José Fernandes, que eu muito admiro, e que me disse acreditar na ideia. Está comigo até hoje e uns anos mais tarde tornámo-nos sócios da loja do Porto.

Sempre te preocupaste com a localização das tuas lojas e a do Porto tem uma varanda para a Torre dos Clérigos...
Sim, coloquei inclusive um sofá porque a vista é extraordinária. É uma loja de primeiro andar, muito bonita. Foi mais difícil no início porque a crise começou logo após a abertura da loja e nesse aspecto os portuenses são muito mais conscientes que os lisboetas. No Porto começaram mais cedo a cortar nas suas compras. Apesar da crise, o que tem ajudado a que as lojas continuem em franco crescimento é o turismo, o que é um fenómeno muito interessante. No início as pessoas diziam que eram lojas para os portugueses, mas a melhor prova que não é um negócio saudosista é o número de vendas que fazemos a turistas que nunca conheceram aqueles produtos.

Passemos às livrarias das lojas. És tu que fazes a selecção dos livros? 
Em geral sou e é uma secção muito importante, sobretudo relativamente ao objectivo de valorizar os produtos que vendemos. Vendendo peças Bordalo Pinheiro, acho que é importante ter na livraria todos os livros disponíveis sobre quem foi Rafael Bordalo Pinheiro e o trabalho que desenvolveu em termos cerâmicos. No fundo, a temática da livraria está relacionada com o conceito da loja: tudo o que existe sobre consumo, história da publicidade, marcas, geografia, manufactura, artes e ofícios portugueses. Também vendo edições quase clássicas como a Antologia do Humor Português ou a Antologia da Poesia Erótica-Satírica Portuguesa.

No meio da azáfama das lojas como surgem os Quiosques de Refresco?
Foi um pouco na mesma lógica de A Vida Portuguesa. Como não tenho carta de condução, ando muito a pé por Lisboa e foi devido a esse facto que comecei a reparar nos quiosques fechados e a pensar numa forma de lhes dar vida. Comecei a investigar receitas de produtos portugueses e pareceu-me que muitas faziam sentido nos dias de hoje, apesar de algumas serem muito doces. Após a pesquisa, decidimos pedir a Daniel Roldão, proprietário da Fábrica do Rebuçado em Portalegre, que desenvolvesse os xaropes engarrafados que vendemos nos quiosques, em vários pontos do país e no estrangeiro. O Xarope de Tangerina é absolutamente fantástico, já para não falar no de chá verde, em que fomos à Gorreana, na ilha de São Miguel, prepará-lo.

Apesar de o teu produto ser português viajas para ter ideias?
Sim, sempre gostei muito de viajar. Houve uma altura em que comecei a achar que o mundo estava a ficar demasiado igual e de repente apercebi-me que Portugal é um óptimo país para viajar e dos mais exóticos que já conheci. Este trabalho também me permitiu viajar mais pelo meu país.

Já pensaste em abrir uma loja fora de Portugal?
Sim, já me convidaram inclusive para vários franchisings, mas prefiro ser eu a construir os espaços, devagar e de forma segura. tenho muito medo do crescimento não sustentado.

Elsa Garcia
Umbigo

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