segunda-feira, 11 de maio de 2015

"Quando a cerâmica é rainha e o Zé Povinho manda"

"Criada por Raphael Bordallo Pinheiro em 1884, a mais emblemática fábrica de cerâmica em Portugal viveu vários momentos de glória e também de aflição financeira. Esteve nas mãos da família Bordallo Pinheiro até 1920. Em 2009 quase fechou portas mas foi comprada pela Visabeira que a revitalizou.
No mesmo ano em que Portugal assiste ao nascimento do Partido Socialista e Eça de Queiroz publica o célebre romance O Crime do Padre Amaro, é criado o boneco dos bonecos da arte popular portuguesa, o Zé Povinho, figura marcante da caricatura de Raphael Bordallo Pinheiro. De calças remendadas, botas rotas, cabeleira farta e desarrumada, incarnado num boçal camponês analfabeto, eterna vítima da classe política, usando o manguito para exprimir a sua raiva, o Zé apareceu pela primeira vez a 2 de junho de 1875 nas páginas d’A Lanterna Mágica, um dos jornais humorísticos que Bordallo dirigiu e ilustrou. Esta figura está intimamente associado à cerâmica das Caldas, nomeadamente à Fábrica Faianças Artísticas Bordalo Pinheiro, que o próprio ceramista, ilustrador e caricaturista criou em 1884, juntamente com o seu irmão Feliciano, com o propósito de revitalizar as artes tradicionais da cerâmica e do barro. Além da fábrica, Bordallo decidiu construir um espaço amplo, bonito, com qualidade de vida para os trabalhadores, que chegaram mesmo a ter uma escola primária para os seus filhos, tal a importância que a empresa assumia.
O Zé (também batizado por “Toma”), figura identificativa do povo português, criticando de forma humorística os principais problemas sociais, políticos e económicos do País, é retratado em cerca de 300 diferentes desenhos, em distintas poses, com ou sem manguito. A Fábrica, desde 2009 nas mãos da Visabeira, continua a inovar e criar produtos contemporâneos, faianças decorativas com motivos e ambientes tradicionais e manteve o espírito crítico do seu fundador. A prova disso, foi que continuou a lançar o famoso boneco, adaptado aos tempos. Um dos últimos, em 2011, um “Toma” à Moody’s, a agência de notação financeira que baixou o rating da dívida portuguesa para o nível de lixo.
Atualmente e passados 130 anos da sua criação, a mais famosa fábrica de cerâmica do País dá emprego a 173 pessoas, que são responsáveis pela saída, diariamente, de cerca de 3000 peças, desde as decorativas, as de mesa e peças de edições especiais.
O trabalho que se faz nas Caldas permite uma faturação de 3,4 milhões de euros, permitindo desta forma a saúde financeira da empresa. Mas esta não foi sempre a realidade da Bordalo Pinheiro, que apesar do reconhecimento nacional e internacional das suas peças, que lhe valeram uma série de prémios e homenagens – medalha de ouro na Exposição Colombiana de Madrid (1892), em Antuérpia (1894), Paris (1900) e EUA (1904), a título individual Bordallo Pinheiro recebeu a medalha de prata e o grau de Cavaleiro da Legião de Honra, pelo trabalho no Pavilhão de Portugal na Exposição Universal de Paris – esteve em risco de fechar as portas por diversas vezes.
Mais recentemente a falência só não aconteceu porque a Visabeira, a pedido do antigo ministro da Economia, Manuel Pinto, a salvou da falência, em 2009, e lhe deu uma nova vida.
Nuno Barra, diretor de marketing e design externo da Bordalo Pinheiro, diz que o investimento feito pela Visabeira na fábrica caldense já “superou largamente os dois milhões de euros”. E, segundo explica, verificou-se em várias áreas da empresa, nomeadamente na “reparação e modernização de equipamentos, na reparação de diversos fornos de cozedura, obras de requalificação da unidade fabril e da loja, impressão de vários materiais de comunicação, individualização de um atelier de pintura artística, na melhoria dos equipamentos usados nos armazéns, na recuperação, restauro e criação de novos moldes e madres, entre outras medidas”.
Os mercados internacionais, sobretudo Estados Unidos, França, Alemanha e Dinamarca, representam atualmente 60% das vendas da Bordalo Pinheiro (em 2009 representavam 35% da faturação). E há novos mercados, com grande potencialidade, para explorar, na América Latina.
Projetos para o futuro também não faltam, como explica ao DN Nuno Barra: “Temos vários projetos em curso, vários ligados à arte a ao design. Aliás lançámos recentemente e com grande sucesso, a coleção Sardinhas by Bordallo Pinheiro, que esta a ser um grande sucesso. Temos a continuação das coleções com artistas internacionais e muitos outros projetos que vão projetar a marca ainda mais a nível internacional. Queremos que a Bordallo seja uma marca ligada à arte e ao design, com produtos diferenciadores e sempre dentro do seu território/ADN para assim dar continuidade ao que Rafael idealizou.”

Sílvia Freches


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